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Enquanto isso, em Mato Grosso...

Deputado estadual mato-grossense teria comandado seqüestro da diretora do FNMA em Guarantã do Norte

8 out 2003

 

Cuiabá, MT - Cárcere privado, ameaças, agressões e incitação de conflito armado. Este foi o quadro da última terça-feira à tarde na cidade de Guarantã do Norte, distante 725 Km de Cuiabá na frente da Câmara Municipal onde a diretora do Fundo Nacional do Meio Ambiente – FNMA, Raimunda Nonata Monteiro da Silva, de Brasília foi proferir uma palestra sobre as perspectivas para pequenos produtores, associações e cooperativas de financiamentos junto ao FNMA à convite do prefeito Lutero Siqueira.

Cerca de 300 pessoas, entre fazendeiros e colonos contra a presença dela sob a liderança de Agnaldo Miranda, assessor do deputado Pedro Satélite, que com um carro com som proferia palavras de ordem contra o prefeito e à diretora, alegando que a presença de uma funcionária do Ministério do Meio Ambiente poderia ameaçar o direito de terra dos colonos que estão localizados em áreas próximas à divisa com o Pará , denominado Cachimbo do Vale do 15.

Há dois meses, o prefeito Lutero Siqueira encomendou um estudo de viabilidade para criar um parque municipal na área com 34 mil hectares que envolvem uma floresta única, com áreas de floresta amazônica, cerrado, solo rochoso, savana e areão. Uma região com presença de grandes destroços vulcânicos da bacia do Tapajós, abaixo da Serra do Cachimbo e na margem direita da BR -163. A área tem apenas 3 mil hectares ocupados e com benfeitorias mas não há nenhum processo ainda de criação do parque, apenas a proposta que, segundo o prefeito, ainda seria encaminhada e discutida com as comunidades. Lutero também proporia a criação de uma Área de Proteção Ambiental - APA de mais 44 mil hectares onde o uso do solo é permitido apenas com algumas restrições direcionadas ao uso das terras. “Nossa proposta é de apenas proteger as águas da região. Nossos rios estão secando e o gado bebe lama mas a legislação permite a atividade nas Apas. O interesse é de proteger essa áreas que são a sobrevivência da agricultura familiar baseada em atividades sustentáveis', afirmou.

Foi por conta desta proposta, no qual não tinha alguma relação com a palestra da diretora do FNMA, que um conflito armado e político levou Raimunda, para dentro da Associação do Vale do 15, no município de Guarantã e ficar sitiada por mais de 5 horas. “Vou ficar aqui e tentar discutir com as pessoas de que não há criação de parque e não há nada junto ao MMA porque a proposta do parque é municipal e só poderá ser concretizada com o consentimento da população', disse a diretora.

Mas na Câmara Municipal não havia espaço para diálogo. O assessor do deputado, que dizia a todo momento: “Gente, o deputado Pedro Satélite, me ligou agora e mandou um recado. A Associação do Vale do 15 não pode aceitar a proposta da reserva. Esse prefeito quer tirar todo mundo das suas terras. Vamos ver se eles vão ter coragem de nos enfrentar e ter falar de parque”. Agnaldo ia dando a palavra para vereadores da oposição e colonos que diziam: “Que benefício esse parque vai ter para nós, vai parar a estrada, vão nos tirar de lá”, dizia uma das colonas que há 20 anos está na área da próxima da proposta reserva.

Um dos principais fazendeiros da área proposta para o parque, por nome Calisto, presidente da Associação do Vale do 15, dizia: 'Sou o primeiro morador desta área e não elegi o prefeito para fazer parque. Não aceito essa reserva e nós não podemos deixar isso acontecer”. Os depoimentos e as palavras de ordem de Agnaldo que a todo momento se comunicava com o deputado foram incitando a população que ameaçava a presença da diretora do FNMA e do prefeito Lutero. Repórteres da imprensa local e de Cuiabá percebiam a impossibilidade de um diálogo e a presença de 8 pessoas com armas de fogo.

Para segurança de Raimunda, Lutero resolveu cancelar a reunião na Câmara. A população se revoltou e iniciou uma verdadeira caçada pela cidade em busca de Raimunda e o prefeito. Mais tarde, por volta das 16 horas, Raimunda, resolveu , junto com a representante do Programa Fogo: Amazônia Encontrando Soluções, Marília Carnhellutti, e o secretário de Agricultura, Norival Batista, ir até a sede Associação do Vale do 15. Raimunda é oriunda de Santarém e tem experiências em negociar conflitos na região do Pará. “Vamos tentar um diálogo. Penso que o problema aqui é a proximidade das eleições municipais que está impedindo que a população tenha informações corretas do que é uma APA ou um parque. Em nenhum lugar deste país, gente foi despejada por causa de um parque”, dizia.

Mas aparentemente, segundo Raimunda, já havia uma estratégia de mantê-la refém para que o prefeito assinasse um documento se comprometendo a não criar parque e nem mesmo discutir o assunto. Um grupo de 50 pessoas ficou do lado de fora da associação, travando a porta e gritando que não aceitavam nenhuma proposta de diálogo. Uma comissão redigiu o documento que 'supenderia' os encaminhamentos para a criação do parque. Os fazendeiros não aceitaram o documento porque queriam o cancelamento e não a suspensão da proposta. Raimunda se negou: “Não posso aceitar e assinar um documento que cerceia o direito do prefeito de propor alguma coisa. Encerro por aqui e quero sair'. Não deixaram. Raimunda, Marilia e Norival estavam oficialmente seqüestrados. Do lado de fora, o assessor do deputado ia comandando tudo e orientando os colonos com um carro de som.

A ministra Marina Silva conversou com Raimunda por telefone e se ofereceu para avisar a Base Aérea do Cachimbo, a Aeronáutica  e a Polícia Federal. Raimunda não aceitou , “pode piorar a situação”.

Não tinha mais negociação, foi preciso assinar o documento que depois foi lavrado em cartório às 19 horas. A palestra sobre benefícios financeiros às comunidades não aconteceu. “Além de um claro movimento político contra o prefeito, parece que Mato Grosso tem uma proposta de inviabilizar diálogos e buscar saídas. Vou relatar o que vi aqui ao presidente Lula e a experiência que passei. Precisamos retomar a consciência de que é preciso conversar, discutir e não tratar as coisas com violência”, disse Raimunda.

Lutero Siqueira, por segurança, teve que ficar acompanhando tudo de longe. Constrangido por não ter avisado à população a real atribuição do FNMA e de que parque municipal não se discute com o governo federal, estará hoje em Cuiabá. Redigiu uma carta à população explicando que a APA que tem cerca de 300 pequenos produtores, teria ganhos econômicos “pois os produtos produzidos ali poderão ser comercializados em mercados que valorizam o componente ambientam, agregando valores, além da possibilidade de financiamentos a baixo custo e juros”, disse. “Não esperava que minha cidade pudesse dar essa demonstração de truculência e de um Mato Grosso que já foi capa de revistas e jornais nacionais onde não há direitos e leis”, disse.

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Josana Salles, para a Estação Vida , com edição da EcoAgência de Notícias


Última atualização: 03 outubro, 2003 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
 
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