AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 6

Desenvolvimento “sustentável”

Jacuí I: o Governo do Estado “licencia” uma usina ilegal e poluidora

Por Flávio Lewgoy*

As obras de Usina Termoelétrica (UT) Jacuí I, paradas em 1989 por falta de verbas da ELETROSUL, situam-se em Eldorado do Sul, a 40 km de Porto Alegre. A UT foi projetada para 350 Mw, devendo consumir 1.100.000 toneladas/ano de carvão. Pela sua má localização e grande potencial poluidor, a FEPAM – Fundação Estadual de Proteção Ambiental – jamais deu sequer licença inicial (localização) para o projeto. 

A ELETROSUL, mesmo assim, foi adiante, chegando a concluir a maior parte das obras, infringindo claramente dispositivos legais, que exigem EIA-RIMA e diversos licenciamentos da FEPAM para que um empreendimento desse tipo seja concretizado. Jacuí I, como as demais usinas da ELETROSUL, é de tecnologia obsoleta, sem abatedores das emissões ácidas da queima do carvão.

Pretende, agora, um lobby de empresários e políticos da região o reinício e conclusão de Jacuí I. O Governo do Estado, invocando uma suposta deficiência energética e o desemprego na região carbonífera, porém contrariando a lei e os laudos técnicos da entidade de proteção ambiental oficial (a FEPAM) ordenou, através da Procuradoria do Piratini, que a licença para o término da obra fosse emitida. 

Numa demonstração de coragem e cidadania, os técnicos da FEPAM, em “a pedido” publicado em Zero Hora de 13.8.93, protestaram contra esse ato de agressão ao meio ambiente e à saúde pública. A AGAPAN, ainda no ano passado, solicitou à Procuradoria Geral da República abertura de processo contra o empreendimento, que está tramitando. Vejamos agora porque a AGAPAN e a FEPAM se opõem a Jacuí I.

A Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPOA), com apenas 2,4% da área do Rio Grande do Sul, é a mais poluída pelas descargas de veículos e chaminés de indústrias, absorvendo, do total computado para o Estado, 36% do monóxido de carbono, 43% dos hidrocarbonetos, 30% dos óxidos de nitrogênio (NOx), 35% do dióxido de enxofre (SO2) e 26% do material particulado (MP). 

Recente estudo do IPH da UFRGS mostrou que 65% das amostras de água da chuva na RMPOA já estão na faixa ácida. Ela é, sem dúvida, uma área crítica de degradação do ar, ou seja, novos acréscimos de cargas poluidoras são lesivos aos ecossistemas e à saúde pública. Tão somente as estimativas das emissões de SO2 e NOx provenientes de Jacuí I, em espécie e quantidade as mais danosas, mostram um acréscimo de mais de 10% em SO2 e 14,6% em NOx, ao ano. 

A RMPOA tem uma área de 6.551 km², ao passo que essas cargas adicionais partiriam de um ponto minúsculo no mapa, o que em muito aumentaria os seus efeitos deletérios. Acrescente-se, ainda, as demais emissões, como fluoretos (195 t/ano), mercúrio (108 kg/ano), ácido clorídrico (585 t/ano), mais material particulado contendo metais tóxicos como chumbo, cádmio, arsênio, berílio, níquel, cromo, etc., além de tório e urânio, radioativos. A EPA (Nota do Editor: Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos) considera as termoelétricas a carvão, por esse motivo, mais poluentes que as usinas nucleares.

Sabe-se que a RMPOA é sujeita a freqüentes inversões térmicas, que sabidamente são desfavoráveis à dispersão de poluentes, mesmo com altas chaminés, de 200 metros de altura e até mais altas. Somente no período de agosto de 1992 a julho de 1993 esses fenômenos foram registrados em 57% dos dias. Há, pois, elevados riscos de aumento de mortes prematuras e internações hospitalares em conseqüência de episódios de poluição do ar. Saliente-se que, conforme as estatísticas da Secretaria Estadual da Saúde e Meio Ambiente, as doenças respiratórias são a terceira causa de morte no Estado. Outro impacto ambiental de Jacuí I seria o aumento da acidez das chuvas, com efeitos adversos sobre a fauna e flora aquáticas, além de prejuízos à agricultura e à pecuária, bem documentados em todo o mundo.

Quanto ao alegado (em futuro próximo) déficit energético, vários estudos colocam em 70% as perdas evitáveis no consumo atual de energia elétrica no país, ou seja, os 315 Mw de Jacuí I poderiam ser obtidos apenas a partir do controle de perdas dos sistemas já existentes, isto a um custo não superior a 25% daquele da geração de energia “nova” e, ainda, o que é importante, criando muito mais empregos.

* Flávio Lewgoy é diretor da AGAPAN – Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural e membro de sua Comissão Técnico-Científica. Contatos através da Caixa Postal 1996 – 90001-970 Porto Alegre, RS – telefone (051) 227-1586 – e-mail: ax.agapan.

Fontes consultadas: 

1. FEPAM, 1993 – “Diagnóstico Ambiental do RS”. 

2. Instituto de Pesquisas Hidráulicas – IPH, da UFRGS – Relatório sobre pH das chuvas na Região Metropolitana de Porto Alegre 91985-1986. Citado na Circular Estadual da UPAN de 25.6.1993. 

3. Secretaria da Saúde e Meio Ambiente do RS, 1987 – “A Saúde no RGS”. 

4. Prof. Fernando Livi (Dept. de Geografia da UFRGS) – Comunicação particular sobre ocorrência de inversões térmicas na RMPOA, 1993. 

5. Estimativas de emissões: FEPAM, ELETROSUL e o autor. 

6. Perdas e economia de energia elétrica: Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (ELETROSUL), citado no Boletim de Maio de 1993 da AGAPAN.

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